As luzes brilham também por causa da escuridão; quanto mais for sombria a noite, mais as luzes lhe trarão claridade. E quanto maior for a claridade, não adianta acender outra luz; com certeza o seu brilho se perderá entre os outros brilhos, não se percebendo que ela está acesa. Isso ocorre com a irracionalidade da lei que nos obriga a acender os faróis do carro, à luz do sol do meio dia, quando não há sombra, nem tampouco escuridão. Já preconizava Sócrates: devemos obedecer até leis injustas para que as justas sejam respeitadas.
Contudo, nessa viagem, não convém que desejemos a escuridão da noite para que os faróis mostrem sua claridade; pouco importa a luz dos seus filamentos ou a causa da sua luminosidade. Transponho-me para uma choupana, num longínquo pé de serra, onde o tamanho do pavio sustenta a labareda de fogo, alimentada pelo querosene no candeeiro. E lembro-me o que o Mestre admoesta: “Ninguém acende uma lamparina para pô-la embaixo da mesa, mas em cima, para que ela alumie todos os que estão em casa”. A lei que necessita de muita explicação nos determina fazer, em fila, uma longa gambiarra acesa para iluminar a estrada , “tão clara como a luz solar”.
Como as luzes precisam da escuridão para brilharem, as coisas íntimas necessitam de privacidade para terem o seu valor. E se sua intimidade se desgasta na boca das fofocas, das piadas e dos boatos, ela perde o brilho de ser íntima ou o seu substantivo: a intimidade; o aconchego dos seus segredos; a comodidade da sua confiança. Nesse sentido, as relações sexuais dos que sinceramente se amam perdem o brilho do seu valor, quando à luz do Sol, na praça pública, nos visíveis caminhos da vida, acontecem ao prazer de qualquer exibicionismo ou “voyeurismo”… Enfim, a intimidade é capaz de fundir duas almas e dois corações num só sentimento.
Damião Ramos Cavalcanti