Dizem “os tempos mudam”, mas estou convencido de que somos nós que mudamos no tempo; ele continua tal e qual como o das nossas lembranças. Lembro-me que, aos cinco anos, para dormir, meu pai fazia eu repetir palavra por palavra do Pai Nosso; depois do “amém”, pedia-lhe a bênção e ele solenemente respondia-me: “Deus te abençoe , meu filho”; o que revivo, com o neto Lucas , com dois anos de idade, pedindo essa graça quando encontra o avô. Logo após abençoar-me, meu pai me embrulhava no lençol, dos pés à cabeça. Confesso que não acreditava muito na proteção daquela benção: Tinha medo que o ladrão destelhasse o quarto, exatamente no pequeno buraco por onde passava a luz da Lua, e pulasse no chão.
Naqueles tempos, ladrão só entrava nas casas por dois lugares: Ou pelo telhado, ou arrombando a porta da cozinha. Por isso, ainda hoje, Josimar escora as portas da APL com cadeiras e caçarolas, na esperança de que eventual malfeitor, ao tentar roubar nosso modesto patrimônio, acorde o mole e indefeso vigilante. Também, ao acordá-lo, daria no mesmo… Durante minha infância, os ladrões eram temidos e não usavam revólver; de quem roubar a arma, antes do crime? Nem existia, de brinquedo, a máuser, como a inventada pelos alemães, para simular ameaça. Também sucedia, como a rica tia de Zelma, Dona Mosa: Tinha um trinta-e-oito em cima do guarda-roupa e as balas, perdidas, talvez numa das panelas de barro, guardadas na despensa. Era armada desarmada…
Melhor fazia seu Olimpio de Itabaiana: Armava-se com bombas chilenas, sobras das festas juninas, para espantar possíveis gatunos nas escuras madrugadas. Há o macho: “Armado desarmado” que defende a industrialização, o livre comércio e o uso de arma de fogo, enchendo a boca:”como nos Estados Unidos”; mas, lento e frouxo, na hora ‘h’, no momento de agir, “bate catulé” como bala de fabricação caseira; e termina com o cano do revólver do rápido e corajoso ladrão no ouvido, gritando: “Vai! Ou dá ou morre”…
Damião Ramos Cavalcanti