Academia Paraibana de Letras


Confessava-se, transido entre a generosidade e o encorajamento ao outro, leitor contumaz dos inúmeros textos que escrevi e publiquei na imprensa campinense, dos quais dizia gostar sobremaneira, notadamente dos que se cingiam ao mágico e fascinante mundo da literatura.

Literatura, paixão comum de nós dois, afinidade eletiva que compartilhávamos; e que era mais uma sólida ponte a fortalecer, mais que a nossa dialogicidade quase semanal, os laços afetivos que nos uniram no tempo, mas que sempre exibiram os deleitosos sabores da eternidade.

Poeta e jornalista, Marcos Valério era um homem da palavra e do rádio, no qual atuou em programas de natureza musical, nos quais se evidenciavam tanto a sua desenvolta competência no trato com o microfone quanto o seu sobrante conhecimento dos caminhos e descaminhos percorridos pela Música Popular Brasileira.

Mas, para além do código musical acendradamente apreciado, Marcos Valério também era um exímio observador das cenas e cenários do universo político brasileiro, o que o fazia com aguçado senso crítico, não raro descambante para o terreno da sátira mais aguda, para cujo atingimento seminal Brasília e os seus satélites espalhados por variadas geografias nacionais se constituíam, iniquamente falando, em matéria prima do mais baixo quilate.

Ancorado no porto das desventuras políticas de um país vergonhosamente sucateado, Marcos Valério erigiu uma série de aforismos que, conforme me confidenciou em vários diálogos que mantivemos, integrariam o seu novo livro, para cuja elaboração do prefácio, ele me havia convidado com a gentileza que lhe era peculiar.

Homem da palavra criadora em estado de estesia, Marcos Valério foi produtor de uma lírica timbrada por uma mundividência inescondivelmente romântica, alicerçada nos pilares de temáticas que fizeram do amor, da solidão, da angústia existencial, da morte, dos desencontros entre os seres, dentre outros, o ponto de partida e de chegada dos seus voos subjetivos mais visceralmente intimistas.

Autor de uma poética mais da expressão que da construção, como diria o mestre Hildeberto Barbosa Filho, Marcos Valério também cultivou, aqui e acolá, sobretudo na seara de um explícito apelo transcendentalista, uma lírica eivada de sotaques simbolistas, sobretudo quando incursionava por um território impregnado de cogitações religiosas.

Marcos Valério foi, no final das contas, um espontâneo e autêntico cantor das realidades emergentes do coração humano. Do jardim da sua casa, onde, recorrentemente, postava-se como um emérito observador do cotidiano e da vida como ela é, ou talvez como poderia ou não deveria ser, Marcos Valério fez-se o cronista do olhar-viajor, visionário, onírico, libertário; e que jamais capitulou diante das numerosas e multiplicadas limitações que o cercaram, ao longo da sua existência tecida e destecida pelos fios de cinquenta e seis primaveras. Existência que foi interrompida pelos imperscrutáveis desígnios da Providência divina no último dia vinte e quatro do recém-findo mês de abril.

Consumido e consumado pela palavra, signo estético com o qual recriou e transfigurou o vivido, Marcos Valério, em nenhum momento, permitiu, mercê de Deus, que a sua vida se transformasse num muro das lamentações; antes, com as adversidades com as quais se defrontou fez pontes de comunicação com a estação esperança, com a qual sintonizou o seu viver até o instante final.

A saudade de Marcos Valério está doendo em mim. A Rua Afonso Campos está vazia do vulto de Marcos Valério, personagem central da sua paisagem humana e afetiva. O telefone de minha casa não mais tocará trazendo-me o inconfundível timbre da voz de Marcos Valério dizendo:

“Professor José Mário”. Tudo agora é saudade, silêncio e surpresa pela inesperada partida do querido amigo. Marcos Valério, um marco de ternura em minha existência, agora, definitivamente, desfalcada de sua calorosa presença.

José Mário da Silva

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