Ele andava pelo mundo afora criando diretórios para seu partido, mesmo assim, nunca foi agraciado nem lembrado pelos dirigentes em cargos públicos, como merecia, por ser inteligentemente competente; exceção feita pelo Governador Tarcísio Burity que o nomeou para ser Chefe da Casa Civil. Fazia, pelo interior, muitas amizades; os interioranos e matutos que o conheceram teciam-lhe qualidades e poderes maiores do que os seus correligionários na sua agremiação, no entanto achavam seu nome um pouco estrambólico, uns chegavam até chamá-lo de Doutor Miguel, mas a maioria, carinhosamente, de Doutor Mazú. Ele achava isso bom e dava, naquele tom grave que lhe era peculiar, uma gargalhada, agradecendo. Nesse meio político, nunca arranjava coisas para si; pedia favores para os outros, e quando aos mais humildes necessitados, ele tirava do próprio bolso feijão, arroz, farinha e até algumas latas de sardinha, mas, sem qualquer ranço de demagogia, apenas gostava de fazer o bem, assim ele se beneficiava pela sua própria bondade; também vítima, porque destacar-se com essas virtudes e com essas ações, no território da guerra dos invejosos, sempre é muito invejado e perseguido.
Diante das injustiças, das perseguições e das bajulações desses invejosos, irritava-se com facilidade, num tom de voz acima do normal, chegava até a perder o fôlego. Sobretudo, quando fumava, mas definitivamente consciente de que o cigarro é mortífero, parou de fumar. Quem ele achava que alguém não prestava, não o perdia de vista, tampouco do seu árduo espírito crítico. Contudo, muitas vezes, objetivamente, elogiou quem estava do outro lado partidário, se tratava-se de gente “correta, trabalhadora e honesta”, repetindo, seguidas vezes: “É competente, é competente”. Ao contrário, não media esforço, a criticar “cabra ruim, que sabe nada do que quer fazer”. Certa vez, fui-lhe também sincero: – Andam dizendo que você está inconveniente, que você fala quando e onde não deve falar”; riu e respondeu: – Há inconveniências necessárias e não falo pelas costas. Era de uma sinceridade peremptória…
E de bondade também, com afinco, assim sempre viveu a finalidade da sua profissão: médico tem como primeiro dever curar e não se preocupar primeiramente com compensações e vantagens. E isso fazia espontânea e gratuitamente, conheço vários casos da sua atenciosa prática da medicina. Estava eu fazendo companhia à minha irmã Marilene, em 7 de setembro de 1970, na Maternidade Roberto Granville, quando o marido dela, Fernando, passeava a passos largos, prá cima e prá baixo, sem achar um médico de plantão e então, pelo corredor, surgiu Mazureik que não nos era conhecido: – Por que você está aperreado? Dito o que ocorria, de pronto, o ginecologista Mazureik deixou outros afazeres, lavou as mãos, visitou a parturiente, colocou as luvas e fez a cirurgia cesariana para nascer Raissa. Isso até hoje é objeto da minha memória, início da minha amizade com ele e fator da gratidão, que a irmã, cunhado, sobrinhas, filhos e filhas nutrem por esse exímio obstetra. Nesse sentido, revelo como é gratificante vivenciar a prática da gratidão.
Iniciava sua bondade entre os seus, como pai, pois, em várias ocasiões, demonstrou essa afetuosidade para com os filhos e as filhas; mesmo sem tempo, nunca deixou de ir comprar pão e levá-lo à casa de cada filho. Isso para mim era muito simbólico. Quem é solidário em família, em casa, é solidário também na rua, entre os desconhecidos, permitindo, pelo princípio de alteridade, que os outros sejam e consequentemente tenham; isso também faz enriquecer a consciência de si mesmo. Mazureik lia semanalmente essas minhas crônicas, agora, longe de qualquer miopia, com visão infinita, está lendo tudo isso, lá de cima…
Damião Ramos Cavalcanti