É bom recordar “os tempos de outrora, dos velhos carnavais que não voltam mais”, mesmo se, preferindo os de então aos atuais, recordem-se os medos que sofriam as crianças, espiando, pelas frestas das janelas ou pelas fechaduras das portas, “laursas” e papangus; espantosos, mas atraentes e prazerosos, sem eles não teria havido carnaval. Não havia a semana de “prévia”, duplicando ou falseando os três dias de carnaval; os dias eram aqueles, quem dançou dançou, quem não viu perdeu.
Hoje, pela indiferença ou inexistência dos pais para as protegerem, as crianças são muito mais ousadas, não recorrem aos buracos das fechaduras para verem “monstros” e fantasias horríveis, elas próprias se tornam esses papangus sem fantasias, em bloco, organizadamente em grupos, fazem medo aos adultos; não frequentam os blocos mirins, como o das “muriçoquinhas”; estão lá nos da madrugada, longe do inexistente: redes, colchões, camas, sonos e sonhos… Tais descamisados usam calção escuro, escondendo o excesso de uso; um gorro de grife roubado, com a aba caída para o lado do ouvido esquerdo. Correm ou andam sempre em bando, à espreita de qualquer descuido dos que dançam, embriagados pela alegria extasiante das circunstâncias anuais dos ainda carnavais.
Mesmo subindo nos ônibus pelas janelas apedrejadas ou nos seus tetos, eles não voltam para casa porque não têm abrigo, nem pais, nem comida, nem pijamas para dormir, nem tampouco educação. Dormem, sob “maquises”, com a mesma roupa do desfile. Enturmados e escondidos, talvez desfrutando “crack” ou uma lata de cola, reúnem-se para contar e dividir o apurado. São crianças que, a cada período momesco, multiplicam-se, dentro e “fora de época”, o que todo o mundo vê… Enquanto tal carnaval durar, ainda bem que surgiu, e ainda prometem de continuá-la, a “bolsa família” que minimiza parcialmente essa miserável pobreza, e, sobretudo, assegura alguma comida para nutrir crianças que também pertencem à futura inteligência brasileira.
Damião Ramos Cavalcanti