Um dos componentes da viagem do Curso de Artes, do “Zarinha – Centro de Cultura”, que, ao percorrer a Praça Vermelha, não deixou de visitar o Kremlin, igrejas, Shopping, o mausoléu de Lenin e os túmulos dos heróis da Revolução de 1917, numa alta e extensa parede, à esquerda do Kremlin, com o nome de cada um. Essa pessoa teve espantosa surpresa, ao descobrir, dentre tais heróis, naquele cívico necrópole, o jazigo do norte-americano John Reed, considerado herói pelo povo russo. Então, disse-lhe que tinha observado essa relevante homenagem a esse jornalista, que cruzou os mares, até aprender e falar aquela língua eslava, quando passei duas semanas por lá, em 1981, juntamente com os Padres José Trigueiro do Vale e Marcos Augusto Trindade, ambos ex-reitores da UNIPÊ. Parece até que facilmente o mundo gira em baixo dos nossos pés, encurtando distâncias e revelando-nos coisas surpreendentes, diferentes daquelas que vemos e ouvimos pela mídia. Também assim girou John Reed, famoso autor do livro “Dez dias que abalaram o mundo”, cuja história está na película norte-americana, de 1981, escrita num roteiro de um belo drama biográfico: Reds. Graças ao isolamento social, tive tempo de muito trabalhar em casa e, sossegadamente, rever esse extraordinário filme.
Verdadeiramente John Reed não é russo. Nasceu em Portland (State of Oregon), em 22 de outubro de 1887, filho de família endinheirada, de pai empreendedor e seguidor da ideologia liberal, naquele país. De formação em convivência com a Universidade de Harvard, tornou-se um escritor de mão cheia, culto, procurado para escrever crônica sobre o mundo revolto que ele estava sempre a observar. Irrequieto, justificava essa sua inquietude: “Gosto de estar onde acontecem as coisas…” Os acontecimentos sociais o comoviam, fossem eles manifestações, greves, comícios ou feitos sociais, protagonizados pela gente da periferia. Parecia ser esse o seu meio, demonstrando verdadeira paixão pelos surtos revolucionários do século XX.
Em 1913, a revista Metropolitan o envia para escrever uma reportagem sobre a revolução mexicana. Enfrenta riscos de morte, aventurando-se numa sacrificada vida de pobreza; reúne excelentes crônicas que resultaram no livro “México Insurgente”. Esses textos nos propiciam “um toque de humor profundamente humano”, descobrindo-nos ternura na dureza de Francisco Villa; e sabedoria, no analfabetismo, no mundo não letrado e na lógica de Zapata. Antes de partir para outras águas e revolucionamentos políticos, Reed muito aprendeu no México campesino e revolucionário.
Converteu-se, depois dessa experiência, num ativo militante de caráter socialista. Cobre, enquanto jornalista, os longos episódios da I Guerra Mundial; deprime-se com as inúteis mortes, com as ruínas e as misérias da guerra, mas fortalece suas convicções política-ideológicas. É quando rompem os indícios da Revolução de 1917, na Rússia, e ele se dedica, nas ruas, a conversar com soldados e camponeses; a entrevistar líderes; a se reunir com cidadãos, do que concluiu que dali viriam à luz “os dolorosos partos da História” ou quando sucederiam “os dez dias que comoveram o mundo”. John Reed morreu de tifo, em 1920, na Rússia. Foi sepultado em Moscou, em frente às muralhas do Kremlin. Tinha apenas 32 anos e estava casado com a periodista e escritora Louise Bryant, sua companheira de luta e dos últimos dias. Lá, em Moscou, continua exposto à visitação o ilustre americano mais amado pelos russos, tal qual foi visto pelos alunos e alunas de Zarinha. Na falta dos livros, da viagem, o filme Reds, de Warren Beatty, é imperdível.
Damião Ramos Cavalcanti