Viver é necessariamente mudar, mesmo se você não for o agente protagonista da mudança, haverá de agir adaptando-se às novas situações, sobretudo quando sucedem aquelas que mais parecem com a metamorfose da lagarta à borboleta, na adaptação que é mudança, trocando andar por voar, os galhos pelo voo, as folhas pelas flores. Contudo, o desejo de mudança, com equilíbrio, respeitando o que há de se preservar, há de se medir pelo parâmetro aristotélico do virtus in medio (a virtude está no meio). A nossa fragilidade, nos transtornos da tal circunstância, não suporta o peso do excesso. Sem esse equilíbrio, sofremos apenas mudanças que não mudam.
Assim reflito, quando se reclama demasiadamente a falta de chuva, sem ações, escuto, várias vezes na voz de fado, “Súplica cearense”, cantada pelo lindo jeito da beleza lusitana em Irene Atienza: Não mais suportando o inferno que sempre queimou o seu Ceará, o bronco lavrador rezou um bom bocado para apenas ver uma planta nascer naquele seco chão. Pensou numa chuva de mansinho, para não ofender a lavoura, mas rezou suplicando “a chuva cair sem parar”. Diante do dilúvio, de tanta água e arrependido do pedido fora dos limites, explicou a Deus que o excesso na sua reza era “culpa do pobre que não soube fazer oração”.
Os excessos prejudicam; os extremos ofendem. Até o mito, por desenvolver-se em exagero sem respeitar que “a virtude está no meio”, é perigoso. Também assim é até a felicidade, quando o eudemonismo se prega radicalmente e em extravagância, a felicidade (eudaimonia), se abunda, torna-nos infelizes… Sempre resistir à mudança ou às suas adaptações é como o dinossauro que, superestimando sua descomunal força, pisoteou as naturais mudanças do ambiente, sendo extinto pela natureza. O que fazer? Agir; o equilíbrio não se encontra na inércia, mas na ação. E é possível que novas soluções também nos tragam novos problemas, mas assim é viver.
Damião Ramos Cavalcanti