Não! O tempo não foge, somos nós que fugimos, num trem em alta velocidade, vendo pela janela fatos, coisas e pessoas passando rapidamente; tudo parado, mas, em veloz movimento, fugindo da nossa vista, igualmente a todos nós, também parados, mas, ao camponês que está arando a terra, em veloz movimento do comboio que não pára. É uma viagem no e através do tempo que só termina quando o viajante sai da janela; o trem continua, dividido em vagões, como se fosse o próprio tempo que, mesmo repartido em pedaços, contínuo, não tem sua infinitude diminuída. A nossa limitação precisa dividir o tempo para poder contá-lo e, sobretudo, isolar partes relativas ao espaço, às circunstâncias e à nossa existência, em que agimos e comemoramos nascimentos, aniversários de vida, de morte ou de feitos extraordinários.
Anne Karine Kiepe, perambulando pelas ruas de Marrocos, enviou-me, numa mensagem, crucial questão sobre o Ano Novo: “E se você pudesse planejar sua vida de trás para frente, o que estaria acontecendo agora?” Fiquei confuso; como replanejar o passado ou o que passou na janela do trem, o que ficou distante, muito para trás? Recordei um passado irreversível, tendo liberdade apenas sobre o presente e eventualmente sobre o futuro. Enquanto existo, nada consigo realizar no passado, só agir ou modificar coisas no presente, talvez projetando-as para o futuro, jamais ao passado. O tempo de planejar, agir e melhorar é agora, a experiência avisa: Tempo perdido não se recupera…
Carlos Drummond admira, em poesia, quem pensou em dividir esse misterioso “quando” do Organon, de Aristóteles:”Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, / a que se deu o nome de ano, / foi um indivíduo genial. / Industrializou a esperança / fazendo-a funcionar no limite da exaustão. / Doze meses dão para qualquer ser humano / se cansar e entregar os pontos. / Aí entra o milagre da renovação / e tudo começa outra vez / com outro número e outra vontade / de acreditar / que daqui pra adiante vai ser diferente.”
Damião Ramos Cavalcanti